Hiperplasia Prostática Benigna

 Hiperplasia prostática benigna

Hiperplasia prostática benigna, uma importante doença no idoso.

Hiperplasia prostática benigna ( HPB ) é uma das doenças mais comuns no homem idoso, e quando associada aos sintomas do trato urinário inferior (LUTS), tem importante impacto na qualidade de vida, por interferir diretamente nas atividades diárias e no padrão do sono de seus portadores.

A Organização Mundial de Saúde estima que entre 1996 e 2020 a população acima de 65 anos de idade aumentará 82% globalmente. Com o aumento da expectativa de vida e o envelhecimento da população, a Hiperplasia prostática benigna, HPB, deve ter sua incidência e prevalência bastante aumentadas.

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A hipertrofia prostática benigna é definida histologicamente pela hiperplasia das células tanto epiteliais como estromais, iniciando na área periuretral. A hiperplasia pode ser simétrica ou assimétrica e geralmente é progressiva ao longo do tempo. Com o envelhecimento, múltiplos pequenos nódulos hiperplásicos aumentam progressivamente de volume, coalescem e comprimem o tecido normal para fora, contra a cápsula prostática e criam uma cápsula ao redor do adenoma em expansão.  

 

Epidemiologia da hiperplasia prostática benigna

A HPB é uma doença altamente prevalente que afeta aproximadamente 50% dos homens com 65 anos ou mais. Dados mais recentes sugerem que ela   ocorra em um quarto dos homens aos 50 anos de idade, em um terço dos homens aos 60 anos e em metade dos homens aos 80 anos ou mais.

 

O único tratamento curativo para a HPB é a intervenção cirúrgica, mas uma grande parte dos pacientes pode obter alívio dos sintomas, de forma duradoura, com o tratamento clínico adequado.

Embora existam vários medicamentos disponíveis para o tratamento da HPB sintomática, essa condição freqüentemente ocorre no contexto de comorbidades comuns, relacionadas à idade, como doenças cardiovasculares, hipertensão, e disfunção erétil. Por isso, embora as diversas drogas possam apresentar eficácia semelhante, existem diferenças significativas no perfil de eventos adversos que devem ser consideradas em relação ao seu impacto nas condições mórbidas coexistentes.

 Causas

 

Os dois fatores determinantes mais conhecidos e bem estudados com relação ao desenvolvimento de HPB são a idade e os andrógenos. A HPB raramente ocorre antes dos 30 anos de idade e sua incidência aumenta acentuadamente após os 50 anos.

A presença de testículos funcionantes é uma condição necessária para o desenvolvimento da HPB. A doença não se desenvolve em homens castrados antes da puberdade mas existem publicados raros casos em homens castrados após a puberdade. Em estudos de autópsia observou-se pouca importância de variação geográfica e racial no desenvolvimento da HPB.

Novos conhecimentos sobre sua etiologia têm surgido nos últimos anos, principalmente no que se refere à hereditariedade. Alguns estudos mostram que em pacientes com HPB em fases precoces de suas vidas, a herança genética pode ter algum papel. Sandas e cols. sugeriram em 1994 uma possível herança autossômica dominante para esta patologia. Acreditamos, portanto, que a identificação e o isolamento dos genes responsáveis poderão auxiliar sobremaneira o manejo da HPB em um futuro próximo.

Fisiopatologia do “prostatismo”

 

A fisiopatologia da HPB é complexa. A próstata é constituída por três tipos fundamentais de tecidos: o epitelial, que  constitui os ácinos prostáticos; o muscular liso, cujas fibras penetram no interior da glândula e participam do mecanismo de esvaziamento acinar; e o estroma conjuntivo, que dá suporte a toda a estrutura do órgão. Ao redor da quinta década, as glândulas periuretrais, assim como o estroma que as envolve, sofrem um processo de hiperplasia, acompanhado por hipertrofia das fibras musculares.

Esses processos levam a um aumento do volume da glândula, acarretando constrição da luz uretral e resultando em alterações compensatórias da função vesical e obstrução à passagem de urina. A síndrome da HPB é caracterizada, portanto, por um conjunto de sintomas decorrentes das alterações histológicas citadas. Admite-se hoje que os sintomas sejam causados pelo aumento global do volume da glândula resultante principalmente dos processos de hiperplasia dos ácinos e do estroma. O aumento da atividade dos receptores alfa-adrenérgicos presentes nas fibras musculares hipertrofiadas que se encontram no interior da glândula, da uretra prostática e do colo vesical também tem sido implicado na sintomatologia do prostatismo.

Além de alteração no fluxo decorrente no processo obstrutivo, observa-se também alteração na função de armazenamento, levando ao aumento da freqüência miccional, urgência e noctúria. Acredita-se que este aumento do tônus das fibras musculares presentes, sobretudo na cápsula prostática resulte na chamada “obstrução funcional” ao esvaziamento vesical, explicando desta maneira a presença de sintomas mesmo em pacientes com glândulas de tamanho normal.

Acredita-se ainda que outros fatores como prostatite e infartos vasculares tenham algum papel na sintomatologia de pacientes prostáticos. O tamanho da próstata não se correlaciona com o grau dos sintomas. Sendo assim, os fatores acima mencionados são mais importantes no surgimento de LUTS do que o tamanho absoluto da glândula. Tratando dos aspectos histológicos, pode-se afirmar que a HPB é realmente um processo hiperplásico.

Quadro clínico

Os sintomas do trato urinário inferior, decorrentes da hiperplasia prostática benigna, são resultantes de 3 componentes básicos:

  • Componente estático: no qual o aumento volumétrico da próstata provoca diminuição do calibre e aumento da resistência uretral com conseqüente dificuldade de esvaziamento vesical;
  • Componente dinâmico: representado pela musculatura lisa presente na cápsula, glândula prostática e colo vesical, onde um aumento da atividade alfa-adrenérgica nas fibras musculares hipertrofiadas provoca elevação da resistência uretral;
  • Componente vesical: decorrente das alterações secundárias à obstrução, produzidas pela HPB na musculatura detrusora, traduzindo-se em hiperatividade como resposta ao esforço contínuo na tentativa de esvaziamento; ou, por outro lado, em hipoatividade como resultante da falência muscular nas fases mais avançadas da patologia.

Esses fatores constantemente atuam de forma simultânea e a resultante destes componentes na dependência da intensidade de suas ações promove o aparecimento e a gravidade da sintomatologia observada na HPB. Os sintomas da HPB também podem ser classificados em obstrutivos e irritativos (Tabela 1).

Tabela 1 – Sintomas da hipertrofia prostática benigna

SINTOMAS OBSTRUTIVOS E IRRITATIVOS ASSOCIADOS À HPB

 

Sintomas Obstrutivos
Comprometimento do volume e da força do jato urinário
Interrupção do fluxo
Gotejamento terminal
Hesitação
Sintomas Irritativos
Noctúria
Freqüência diurna
Urgência
                                 Disúria, sensação de esvaziamento vesical incompleto

Os três principais aspectos que determinam o quadro clínico dos pacientes com HPB são: sintomatologia, crescimento prostático e obstrução infra-vesical. Sua relação é variável de um paciente para outro. Alguns homens experimentam sintomas do trato urinário inferior, mesmo na ausência de crescimento prostático. Da mesma forma, pacientes com significativo aumento do volume prostático podem ser assintomáticos ou apresentar sintomatologia leve, sem impacto em sua qualidade de vida.

 

Com o objetivo de uniformizar a avaliação de sintomas de pacientes com prostatismo, têm-se criado diversos escores de sintomas. Destes, o mais amplamente aceito é o “International Prostate Symptom Score” (I-PSS), preconizado pela Associação Americana de Urologia. Por meio desta escala, obtêm-se escores de 0 a 35, sendo considerados pacientes com valores até sete como portadores de sintomatologia leve, de 8 a 19 como portadores de sintomatologia moderada e, acima de 20, severa.

Além da utilização dos escores de sintomas para avaliação da sintomatologia de pacientes com HPB, têm-se utilizado, para a orientação e escolha do tipo de tratamento, cada vez mais dados referentes a quanto estes sintomas interferem na qualidade de vida dos indivíduos. É necessário compreender que idênticos escores de sintomas podem ter significado próprio para cada paciente. Verificamos,  que dependendo da atividade do individuo, dificuldades maiores tenham maior interferência na sua vida normal do que pessoas que não desenvolvam atividades que impeçam o esvaziamento vesical mais rotineiramente. Desta forma, temos que atentar mais sobre o impacto dos sintomas sobre a qualidade de vida do que os índices apresentados.

Diagnóstico

 

Na história clínica, deverão ser enfocados: início e evolução dos sintomas, antecedentes cirúrgicos, história familiar de câncer prostático, disfunção sexual, hematúria, infecções do trato urinário, doenças neurológicas, diabetes, estenose uretral, retenção urinária prévia, cálculo vesical e o agravamento dos sintomas após o uso de medicações, tais como anticolinérgicas ou alfa-agonistas.

O exame físico deverá ser iniciado por uma inspeção do abdome e genitália, buscando alterações relacionadas, como: globo vesical palpável, anomalias genitais, dermatite amoniacal ou a presença de secreção uretral. O exame digital da próstata é fundamental na avaliação dos pacientes com sintomas do trato urinário inferior. Neste exame, devem ser avaliadas a contração e a sensibilidade do esfíncter anal, reflexo bulbo-cavernoso, características prostáticas (volume, consistência, regularidade, limites, sensibilidade e mobilidade), vesículas seminais e parede retal.

A presença de elementos anormais e sedimentos no exame laboratorial da urina detectam a presença de hematúria microscópica ou infecções do trato urinário. A dosagem sérica do antígeno prostático específico (PSA) tem indicação em pacientes com expectativa de vida superior a 10 anos ou quando o diagnóstico do câncer pode alterar o manejo dos sintomas.

Os métodos diagnósticos opcionais são aqueles que não são rotineiramente solicitados, porém, podem ajudar na investigação da HPB. Estes testes não são realizados rotineiramente na conduta observadora ou na terapia medicamentosa, todavia, podem ser úteis em pacientes com história clínica complexa e naqueles que desejam ser submetidos a uma terapia invasiva. Outros estudos como a curva de fluxo-pressão, uretrocistoscopia podem ser utilizados em pacientes que serão submetidos a terapias invasivas para a confirmação diagnóstica da etiologia dos sintomas urinários ou ainda quando seus resultados puderem interferir no tipo de tratamento a ser empregado.

A ultra-sonografia traz importantes informações a respeito do tamanho da próstata e sua configuração. A presença de lobo mediano associa obstrução mecânica e indicação cirúrgica, mesmo na ausência de aumento global da glândula. Fornece ainda dados sobre a morfologia da parede vesical permitindo avaliar as alterações crônicas decorrentes de micções realizadas sob alta pressão por longos períodos, necessitando de grande esforço da musculatura vesical para eliminar a urina. Este conjunto de alterações é conhecido como “bexiga de esforço”.

Com o tempo, trabeculações e divertículos podem se formar, decorrentes de pequenas herniações de mucosa por entre as fibras espessadas. A medida de resíduo pós-miccional é facilmente obtida por este exame e se constitui em mais um dado que deve ser utilizado para a escolha do tratamento desses pacientes.

A fluxometria é exame importante na avaliação de pacientes com prostatismo. Por meio de um fluxômetro obtém-se uma curva do volume urinado. Esta, para ser valorizada, deve ser resultante de micção com volume igual ou maior que 150 ml.   A medida do fluxo máximo tem correlação importante com a presença de obstrução por HPB. Admite-se como valor mínimo normal o de 15 ml/s em homens.

Em pacientes muito sintomáticos, sem obstrução anatômica evidente ou em casos de presença de outras doenças que possam interferir na contratilidade ou inervação da musculatura vesical, pode-se utilizar exame urodinâmico com estudo da correlação fluxo/pressão para o diagnóstico de obstrução infravesical. Por meio deste exame, tem-se idéia precisa do esforço realizado pela musculatura detrusora durante o esvaziamento da bexiga. A comparação dos valores obtidos com curvas de padrão normal (nomogramas) é de grande auxílio na identificação de pacientes obstruídos.

Diagnósticos diferenciais

Os sintomas do trato urinário inferior são inespecíficos, ocorrem em grande variedade de patologias, sendo necessário lançar mão de exames complementares para esclarecimento destas patologias que mimetizam os sintomas da HPB.

 As patologias envolvidas no diagnóstico diferencial da hiperplasia benigna prostática  encontram-se resumidas na tabela abaixo. ( tabela 2 )

Tabela 2 –  Patologias envolvidas no diagnóstico diferencial da HPB

Patologias uretrais

Estenose de uretraUretritesDivertículos de uretraLitíase de uretral

Disfunções do esfíncter externo

Dissinergia detrusora esfincteriana

Pseudodissinergia                                       Patologias prostáticasProstatitesProstadíniaNeoplasias da próstataInfarto prostáticoPatologias vesicaisDisfunções do colo vesicalCistitesEspecíficas, inespecíficas, actínicasLitíase vesical

Tumores vesicais

Hiperatividade vesical

Causas neurogênicas

Acidente vascular cerebral, doença de Parkinson, esclerose múltipla, etc.

Não Neurogênicas

Instabilidade primária e secundária

Hiperatividade e déficit de contratilidade

Síndrome vesical do idoso

Tratamento

A etiologia dos sintomas do trato urinário inferior é bastante complexa, estando relacionada a fatores diversos, como o aumento do volume prostático, tônus da musculatura lisa prostática e do colo vesical, e alterações na musculatura detrusora. Desta forma, a decisão sobre o tratamento deve ser cuidadosamente refletida e aplicada individualmente. A participação do paciente na escolha do seu tratamento tem importância fundamental, uma vez que o impacto dos sintomas na qualidade de vida é considerado decisivo nesta escolha.

Os objetivos do tratamento são aliviar os sintomas e evitar ou retardar a progressão da HPB, que pode levar a retenção urinária aguda e necessidade de cirurgia.

As várias opções para o manejo de pacientes com hiperplasia prostática benigna incluem a observação, terapia medicamentosa, terapias minimamente invasivas e tratamento cirúrgico. Há uma pobreza de dados que integrem coletivamente a melhora nos sintomas, redução nos eventos adversos, melhora na qualidade de vida, redução das complicações e custo efetividade em uma comparação entre tratamentos farmacológicos e cirúrgicos para a HPB.

   Observação “Watchful Waiting”

Observação e acompanhamento criterioso é a estratégia preferencial no manejo de pacientes com sintomas leves relacionados à HPB. Nesta conduta, o paciente é monitorizado e seguido pelo seu médico, porém não recebe qualquer intervenção terapêutica. A possibilidade de que estes sintomas venham a evoluir com o tempo não pode ser mensurada, sendo esperada, em alguns pacientes, uma estabilização dos sintomas. Também pode ser uma opção para pacientes com sintomas moderados ou mesmo graves, sem complicações.

   Na indicação de uma conduta observadora, é importante considerar que os sintomas do trato urinário inferior progridem com o tempo, em uma parcela significativa dos pacientes, devendo o paciente estar ciente desta possibilidade.

A capacidade de aceitar os sintomas urinários é extremamente variada. Desta forma, alguns pacientes podem tolerar uma conduta observadora, mesmo com escores de sintomas elevados.

O desconforto gerado pelos sintomas pode ser reduzido através de orientações comportamentais como a redução da ingestão de líquidos à noite, exercícios para treinamento vesical, redução de álcool, café e cigarros. Caso esta conduta seja preferida, a reavaliação deverá ser realizada anualmente.